De acusado a voluntário: a transformação de homens após medida protetiva

' ' : ' '
O gerente comercial Glayson Líbano acreditava que estava apenas discutindo com a ex-companheira quando enviou mensagens e áudios após o fim do relacionamento, em 2022. Para ele, tudo parecia “normal”. Mas para a Justiça e para a mãe de seu filho, o tom das mensagens configurava violência psicológica — uma das formas de violência doméstica previstas em lei.
A medida protetiva foi concedida e, além das restrições legais, Glayson precisou frequentar um grupo reflexivo para homens autores de violência doméstica, em Blumenau. O que parecia, a princípio, uma punição, acabou se transformando em aprendizado.
“Cada encontro me fazia repensar minhas atitudes. Revendo minhas mensagens, percebi que havia ferido a mãe do meu filho. Não era sobre ter razão, mas sobre o impacto do que eu disse”, reconhece.
Foram 12 encontros mediados por profissionais da psicologia e da psicanálise. Hoje, Glayson mantém uma convivência respeitosa com a ex-companheira e decidiu permanecer nos grupos, agora como voluntário. “Até o último dia da minha vida quero seguir participando. Esse espaço me transformou”, afirma.

O caso de Glayson não é isolado. Em 2024, mais de 30 mil mulheres pediram medidas protetivas em Santa Catarina. Só até julho de 2025, já são mais de 18 mil solicitações. Os feminicídios também chamam atenção: foram 51 em 2024 e, até agora, 28 neste ano.
Segundo a secretária da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJSC, Michelle Hugill, os grupos reflexivos atuam justamente na quebra do ciclo da violência. “Não se trata de punir ou passar a mão na cabeça. É um espaço de escuta e responsabilização. Muitas vezes é a única oportunidade de o homem ser ouvido e de compreender que precisa mudar”, explica.
Atualmente, Santa Catarina conta com 43 grupos reflexivos ativos. Os números indicam eficácia: apenas 5% dos participantes reincidiram nos últimos dois anos.

O corretor de imóveis Roberto (nome fictício) também passou por esse processo. Após episódios de violência contra a ex-companheira, buscou tratamento. Hoje faz terapia, participa de rodas de conversa e tenta ressignificar sua história. “Nunca foi culpa delas. Era eu, com meus ciúmes e inseguranças. Precisei pedir desculpas e olhar para mim mesmo”, diz.
Casos como o dele expõem uma dificuldade cultural: a de homens falarem sobre fragilidades. Uma pesquisa do coletivo PapodeHomem revelou que sete em cada dez não compartilham seus medos nem com amigos. Esse silêncio foi tema do documentário O Silêncio dos Homens, apoiado pela ONU Mulheres.
Discussão no Legislativo
Na Assembleia Legislativa, o tema avança em projetos de lei. O PL 14/2022, da Bancada Feminina, e o PL 52/2023, do deputado Dr. Vicente Caropreso (PSDB), tratam da criação de programas reflexivos e de responsabilização para autores de violência doméstica.
Enquanto a tramitação segue, histórias como a de Glayson mostram que mudanças são possíveis. “Respeitem quem está ao seu lado e cuidem de si mesmos. Não esperem perder tudo para perceber que não precisam ser violentos para serem homens”, aconselha.